Por que ela não vai embora?

Ilustração.

MÔNICA BASTOS | Há temas que não cabem mais no intervalo das conversas educadas. A violência contra mulheres é um deles. 

Nos últimos anos, o Brasil e boa parte do mundo assistem a um aumento alarmante de casos de violência doméstica e feminicídio. Não é acaso ou um simples “descontrole emocional”. É a expressão de uma lógica de poder que atravessa culturas, religiões, classes e séculos. 

Quando um homem agride uma mulher, ele não está apenas levantando a mão. Ele está reproduzindo uma crença de que tem direito sobre o corpo, a vida e as escolhas dela. E o mais cruel é que essa crença não nasce no momento do tapa, nasce muito antes. 

A violência não começa no golpe, mas na cultura. Começa quando um menino ouve que “homem de verdade manda”. Quando aprende que afeto é fraqueza, que posse é prova de amor, que ciúme é cuidado. Começa quando meninas são ensinadas, que ter um parceiro dominador é normal, que amor dói, que calar é defesa.

A violência física é apenas a ponta visível de um iceberg que se constrói aos poucos, alimentada por controle, humilhações, chantagens emocionais e isolamento. Muitas mulheres só percebem o risco quando já estão presas em uma teia de dominação, que escapar parece impossível.

E é aí que surge a pergunta: Por que ela não vai embora?
Quando, na verdade, deveríamos perguntar: Por que ele não para? Por que ele acha que pode?

Nenhuma mulher permanece em uma relação abusiva porque quer. Às vezes, fica por medo, porque a separação é mais perigosa. Fica porque perdeu a rede de apoio, porque está emocionalmente exausta por um ciclo que mistura agressão e pedidos de perdão.

Fica porque sair, para muitas, significa perder tudo e, ainda correr risco de vida.

A violência contra a mulher é um problema de todos, não é um tema restrito à esfera privada. É uma questão de segurança pública, de saúde mental, de educação e, acima de tudo, de cultura. Enquanto tratarmos a violência como “problema doméstico”, estaremos assinando coletivamente a sentença de milhares de mulheres.

Não basta orientar mulheres como se proteger. É preciso ensinar homens a não agredirem. Isso envolve, desconstruir masculinidades que glorificam força e controle, ensinar meninos a lidar com frustração, promover conversas reais sobre afeto, respeito e limites e responsabilizar, com rigor, quem usa a violência.

A violência é aprendida, e pode ser desfeita. O feminicídio não é um “destino trágico”, é um processo social, histórico, psicológico, portanto, reversível.

Cada mulher que se salva é uma vitória coletiva. Cada homem que desaprende a dominar é uma revolução íntima que muda tudo. Cada pessoa que rompe o silêncio, abre uma fresta de luz onde antes só havia medo.

E é dessa luz que nascem as mudanças que realmente salvam vidas.