Carta aberta ao prefeito de Xique-Xique, Reinaldo Braga Filho

*Foto: LAYNO SAMPAIO. Avenida J.J. Seabra, em Xique-Xique/BA.

Prezado Sr. Prefeito,

Em 2016, quando ainda era candidato a prefeito, li uma entrevista na qual apontava o asfaltamento do centro comercial como uma das suas propostas para a cidade. Foi a primeira vez que ouvi falar de tal proposta e desde então comecei a questionar sua real necessidade e os impactos para a cidade. Recentemente, com a ampliação da área a ser asfaltada e a indicação do início das obras para o primeiro semestre deste ano, voltei a fazer publicações mais frequentes sobre o tema e, por incrível que pareça, fui excluído de grupos em redes sociais, e impedido de comentar na página oficial da Prefeitura de Xique-Xique/BA, no Facebook.

Mas quero aproveitar este espaço para, mais uma vez, perguntar: Por que asfaltar o centro comercial e a avenida J.J. Seabra em Xique-Xique? Isso é prioridade para a cidade? O asfalto vai melhorar a vida das pessoas que vivem nesses lugares?

Na última entrevista que deu à rádio da sua família, o senhor informou que vai fazer a obra porque foi uma promessa de campanha. Em algum momento o senhor parou para pensar nessa promessa? O senhor realmente acha que Xique-Xique precisa de asfalto? Essa é uma obra prioritária para o Município? Prefeito, o senhor é uma pessoa sensata e sabe perfeitamente que o asfalto não trará benefício algum para a cidade. A vida útil do asfalto é infinitamente menor que a do paralelepípedo; precisa de manutenção frequente; sua manutenção é mais cara; absorve mais calor, aumentando a temperatura em cerca de 3ºC; não permite que a água infiltre no solo; é poluente; faz aumentar a velocidade dos carros; aumenta o risco para os pedestres; queima as patas dos animais. Não há justificativa plausível para essa obra. A fala de João Grilo, em O Auto da Compadecida (Ariano Suassuna), cai bem para essa situação. “Ah promessa sem jeito”.

No Plano Plurianual 2018-2021 (Lei municipal nº 1.214/2017) aprovado na sua gestão, constam as ações a serem realizadas no quadriênio. Destaco algumas: a construção da casa do agricultor, a criação da Casa da Cultura (museu, patrimônio e memória), a criação de espaço para apresentações culturais, a ampliação da biblioteca municipal etc. Acho que também podemos considerá-las como promessas feitas, afinal, estão no planejamento oficial do Município. Essas iniciativas serão realizadas este ano, ou ficarão para o próximo gestor? Essas não são ações mais importantes para a cidade? Mas não tem o impacto imediato que deseja, né? Afinal, é importante lembrar que estamos em ano de eleição. Senhor prefeito, não se trata apenas de cumprir ou descumprir promessa, se trata de definir prioridades que vão melhorar a qualidade de vida das pessoas, de fazer o que a cidade realmente precisa e de escolher o que tem melhor custo-benefício.

Na mesma entrevista o senhor afirmou que, “o asfalto, para muitos, é visto como sinônimo de desenvolvimento. Isso é uma questão de cultura e de crença. Isso é uma coisa muito séria… E ninguém pode brincar com a crença das outras pessoas”. Prefeito, uma coisa muito séria é usar recurso público para uma obra desnecessária, que não vai trazer benefício algum para a população de Xique-Xique. Com isso é que não podemos brincar. O senhor também tem essa crença de que o asfalto é sinônimo de desenvolvimento? O senhor também acredita que cidade que começa a ser asfaltada se desenvolve mais rápido? Prefeito, o senhor sabe muito bem que essa é uma crença falsa. Não é o asfalto que vai fazer a cidade se desenvolver ou o comércio melhorar. Cidade se desenvolve é com geração de emprego, educação e atendimento médico de qualidade, saneamento básico, respeito ao meio ambiente, estímulo à cultura e à preservação da sua história, incentivo ao esporte, incentivo à agricultura familiar, melhoria da segurança pública, obras que melhoram a qualidade de vida das pessoas etc. Prefeito, não use a falta de informação das pessoas para justificar suas escolhas.

Será que o senhor e as pessoas que defendem o asfalto pararam para pensar por que nos bairros da Barra e do Rio Vermelho, em Salvador, nas áreas de maior movimento de moradores e turistas, o asfalto foi retirado? Por que na revitalização da Rua Chile, também em Salvador, o asfalto foi substituído por paralelepípedo? Por que na recuperação da Praça Castro Alves está prevista a substituição do asfalto pelo paralelepípedo? Se as pessoas estivessem devidamente informadas das vantagens e desvantagens do asfalto certamente teriam outra posição sobre o asfalto em Xique-Xique. Até o momento não ouvi sequer uma justificativa racional para tal obra.

Não há dúvida de que o calçamento do centro comercial, da avenida J.J. Seabra, da Rua Rosa Baraúna etc, realmente precisa de melhoria. O trânsito precisa ser melhor organizado e sinalizado, com placas, faixas de pedestres, locais de estacionamento, locais e horários para carga e descarga, locais para mototáxi e comerciantes. Mas o asfalto não é condição para que isso aconteça. Tudo isso pode ser feito sem a necessidade de aplicar 1 cm² de asfalto. Quanto teremos que gastar para aplicar uma nova camada de asfalto daqui a alguns anos? Por que não usar um pavimento de custo mais baixo, de duração mais longa, de manutenção menos onerosa, com menor impacto ambiental e que já faz parte da paisagem da cidade?

Isso não significa que sou contra o desenvolvimento de Xique-Xique. Significa que acredito em um outro modelo de desenvolvimento para a cidade. Um modelo em que as pessoas sejam a prioridade e não os carros que elas usam. Um modelo em que a atenção esteja na cidade e não na próxima eleição.

Teremos uma cidade com asfalto, mas que não preserva seu patrimônio histórico-cultural; que ainda tem ruas onde o esgoto corre a céu aberto; que recebe os visitantes com lixo à beira da estrada; que não tem energia elétrica numa ilha a 2 km do centro.  Teremos uma cidade com asfalto, mas sem parques infantis nas praças; sem biblioteca pública digna; sem acessibilidade para deficientes físicos; sem museu; sem espaço público para espetáculos culturais; sem arborização.

Senhor prefeito, espero que esta carta chegue ao seu conhecimento, antes que alguém me censure mais uma vez, e que possa nos dar uma justificativa minimamente razoável para a definição do asfalto como obra prioritária para o Município. A falta de uma justificativa aceitável nos faz pensar que se trata apenas de uma obra eleitoreira.

*Layno Sampaio Pedra | Servidor público federal, mestre em cultura e sociedade (Ufba), e ator.

Xique-Xique/Salvador, 17 de janeiro de 2020.